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Fundação Cultural

05/01/2012 - “Lucilia – Rosa Vermelha” será lançado no dia 13, 6ª, no câmpus-Centro da Uniube

Os jornalistas Luiz Molinar e Evacira Coraspe e a historiadora Luciana Maluf com Lucilia
Os jornalistas Luiz Molinar e Evacira Coraspe e a historiadora Luciana Maluf com Lucilia
 

“Lucilia – Rosa Vermelha” é o título da biografia da pioneira do feminismo em Uberaba e de uma das 17 primeiras vereadoras de Minas Gerais, eleita aos 35 anos, em 1947, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro. Ela pertencia ao PSD (Partido Social Democrático), embora fosse ligada ao então clandestino PCB (Partido Comunista do Brasil) desde os 18 anos. Lucilia Soares Rosa nasceu em Uberaba (MG), em 1912, filha do alfaiate Calisto Rosa e sobrinha do professor e agrimensor Alexandre Barbosa, católicos até a adolescência, ambos tornaram-se anticlericais e anarquistas. Eles exerceram importante influência sobre ela. Seu avô materno, José Severino Soares, o "Juca" Severino, foi respeitável fotógrafo no Brasil Central, entre 1860 a 1917.
 
Lucilia não foi batizada na igreja. Nunca pintou as unhas e nem se maquiou. Namorou muitos. Dois primos a pediram em casamento. Foi costureira de vestido de noiva. Casou por contrato com homem casado. Foi professora, faxineira e cozinheira de 'mão cheia'. Ateia desde criancinha e espiritualista aos 90 anos: "Há algo mais. Eu não acredito em Deus, mas alguns amigos acreditam e eu acredito neles", dizia.
 
“O Capital” - principal livro de críticas ao capitalismo - foi sua cartilha durante décadas, mas nos último anos de vida gostava que lessem a “Bíblia” para ela. “Dedicou sua vida à causa revolucionária. Lutou por uma sociedade justa para todos. Lucilia significava solidariedade, sinceridade. Disciplinadora, porém doce, amável e, às vezes, até angelical. Gostava muito de conversar. De contar causos seus e dos outros, todos sem censura”, relata o jornalista Luiz Alberto Molinar, coautor do livro.

Lucilia, ladeada pelas irmãs, aos 19 anos, quando era costureira

Lucilia, ladeada pelas irmãs, aos 19 anos, quando era costureira
 

Morou com Ivete Vargas, Prestes e Anita
 
Ousou e enfrentou preconceitos ao ligar as trompas em 1939, depois de ter dois filhos. Essa operação somente realizava-se na Europa. Fora presa duas vezes. Em 1949, ao cuspir no rosto do delegado de polícia, em Campo Florido. Ficou detida por 13 dias por participar de manifestação contra o envio de jovens brasileiros para a Guerra da Coreia. Foi em 1951, em Uberlândia. Morou em São Paulo durante 15 anos, de 1958 a 1972, quando trabalhou como doméstica, entre outras patroas, para a deputada federal Ivete Vargas (PTB), sobrinha do presidente Getúlio Vargas, que conseguiu-lhe emprego na Caixa Econômica e nos Correios. Rejeitou e manteve-se na profissão que possibilitou-lhe as formaturas em odontologia dos dois filhos.
 
Lucilia tinha memória extraordinária e manteve um acervo rico de documentos, entre eles, correspondências que manteve com Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do PCB entre os anos de 1930 e 1980, e com Anita Leocádia, filha dele com Olga Benário, morta em campo de concentração nazista, na Alemanha. Lucilia manteve contato permanente com ela por mais de 30 anos. Moraram juntas durante dois anos e meio, entre 70 e 72, clandestinamente, durante os anos mais sangrentos da ditadura civil-militar, em São Paulo (SP). Passava-se por tia de "Alice Nascimento", codinome de Anita. Residiu também, durante três meses, em 1962, na capital paulista, com a família de Prestes, a quem ajudava a cuidar de seis dos sete filhos.
 
Candido Portinari e Jorge Amado
 
Outras celebridades da política e da cultura nacional que mantiveram relação com pessoas ligadas a Lucilia são enfocadas. Entre elas, o pintor Candido Portinari, amigo do português e corretor de seguros Antonio Manoel Mendes André, diretor, no final dos anos de 1940, do jornal paulistano “Hoje”, ligado ao PCB, e que tinha como redator-chefe o escritor Jorge Amado. Mendes, e seu melhor amigo, o pai de Lucilia, visitavam frequentemente Portinari, em Brodowski (SP).   
 
Abel Reis, Afrânio Azevedo, Caparelli e Zote
 
Nomes importantes em Uberaba e região que mantiveram relações diretas com o PCB, entre os quais o engenheiro da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e professor da Faculdade de Engenharia do Triângulo Mineiro, Abel Reis, são apresentados no livro. A vida do fazendeiro Afrânio Azevedo, premiado criador e exportador de gado zebu para o Peru e doador ao deputado federal Mário Palmério (PTB) das áreas onde se localizam os câmpus da Uniube (Universidade de Uberaba), também é abordada. Em troca dos imóveis, foram concedidas bolsas de estudos a alunos carentes, alguns deles filhos de comunistas. Um dos beneficiados foi o ex-prefeito Wagner do Nascimento (PMDB), filho do sapateiro e pecebista Olívio Nascimento.
 
Azevedo elegeu-se deputado estadual pelo PCB em 1946, em Goiás, onde foi o principal produtor de arroz nos anos de 1950, e proprietário de oito fazendas. Manteve amizade com Prestes – que era recebido com frequência em Uberlândia, onde também residia o fazendeiro - entre os anos de 1940 e de 1960. Desde o final da década de 1930, insistia com o médium espírita Chico Xavier – a quem visitava em Pedro Leopoldo (MG) e levava a Uberaba para dar assistência espiritual aos filhos acidentados - a mudar-se para o Triângulo Mineiro.
 
O advogado trabalhista e vereador Benito Caparelli, cassado após o Golpe Civil-Militar de 1964 e preso durante 105 dias, é outro importante membro do PCB que tem sua vida abordada no livro. O conhecido comerciante José Formiga do Nascimento, o “Zote”, fundador entre outras empresas da Nacional Expresso, contribuía, financeiramente, com o Partido Comunista, também é citado na obra.
 
Jogadores do Uberaba, Barão, Nenê Mamá e Barbosa
 
Lucilia desde a adolescência, em meados de 1920, manifestava sua personalidade feminista ao frequentar o estádio do USC (Uberaba Sport Club), a um quarteirão de sua casa. Era levada por seu pai, acompanhada das irmãs e irmão. Naquela época, mulher não ia a jogos de futebol. Ela sabia as posições dos jogadores em inglês - como era usual - e os nomes dos atletas da época: Gradinho, “um negro de Conceição das Alagoas (MG)”, o “beck”, isto é, zagueiro, o uruguaio Blado, e o “preto alto” Badu. A ligação dela com o USC se deu ainda ao hospedar atletas do colorado em sua pensão ou fornecendo refeição a alguns deles, nos anos de 1950.
 
Lourival Balduíno do Carmo, o “Barão”, autor da letra do hino do USC, também era atuante comunista, amigo do pai de Lucilia e supervisor de ensino em Campo Florido, quando ela residiu naquele município, entre 1930 e 1950. O paulista Waldomiro de Campos, o “Nenê Mamá”, fundador da Liga Uberabense de Futebol em 1943, e gerente do USC entre os anos 50 e 70, também era pecebista. Técnico do Uberaba em duas oportunidades, Barbar Caui, o “Barbosa”, que inovou nos treinamentos ao aplicar a técnica húngara, militou intensamente no PCB. Passagens das vidas deles constam do livro.
 
Quebra-quebra de 52 e a “explosão do bar do Antero" em 69
 
A instituição da cobrança de impostos sobre produtos hortifrutigranjeiros, pelo governador Juscelino Kubitschek em 1952, causou uma revolta popular em Uberaba. Repartições públicas foram destruídas por cerca de 100 manifestantes, que atiraram móveis e documentos no córrego – a céu aberto – na av. Leopoldino de Oliveira e chegou a represar a água. A participação de comunistas, documentos da polícia e publicações em jornais também são mostrados no livro.
 
Oito vítimas fatais, quatro feridas e sete prédios destruídos foi o saldo do fato conhecido como a “explosão do bar do Antero”, famoso por seu sanduíche de pão com bife, frequentado por estudantes universitários e por integrantes do PCB. Suspeitava-se que o motivo do acidente tivesse sido o estouro de botijão de gás. Entretanto, perícia policial apontou como causa a pólvora armazenada em loja vizinha de fogos de artifício. A presença permanente no local e na vizinhança de comunistas provocou uma série de versões sobre o motivo da ação. A obra revela relatórios da Polícia Civil e detalha informações a respeito.      
 
Morte aos 98 anos
 
Lucilia morreu aos 98 anos, em 3 de março de 2011, e o prefeito Anderson Adauto (PMDB) decretou luto oficial de três dias. Ela deixou dois filhos dentistas. Calixto Rosa Neto foi eleito vereador pelo PSD em Campo Florido, em 1963, e cassado e preso pelo Golpe Civil-Militar de 1964. Elegeu-se vereador em Uberaba, com mandato de 1983 a 1988, pelo PMDB. Moizés Soares Rosa foi diretor da cooperativa Uniodonto. Lucilia contava com 13 netos, oito bisnetos e uma trineta.
 
Dilma reverencia Lucilia
 
A presidenta Dilma Rousseff (PT) reverenciou a trajetória de Lucilia no dia 17 de março do ano passado, em discurso oficial após assinar protocolo de intenções da Petrobras para a implantação da Unidade de Fertilizantes e de um gasoduto em Uberaba, no valor de cerca de R$ 3 bilhões de reais. Eis as palavras de Dilma:
 
- Neste mês em homenagem à luta internacional das mulheres, queria homenagear uma mulher muito corajosa aqui de Uberaba. Dona Lucila Soares Rosa, que faleceu aos 98 anos. Foi uma das primeiras vereadoras de Minas Gerais. Não foi vereadora numa época em que era fácil. Foi vereadora numa época em que a discriminação era mais forte. Participou de movimento sem se deixar intimidar ou esmorecer. Portanto, a minha homenagem à dona Lucila.

Outra homenagem a Lucilia será a denominação do restaurante popular, a ser inaugurado num casarão da pç. Rui Barbosa, acima do Elvira Shopping. O projeto é uma pareceria do governo federal com a prefeitura. A sugestão foi apresentada ao prefeito em reunião com a Comissão Executiva do PT, em julho passado.
 
O livro
 
O projeto de pesquisa sobre Lucilia surgiu durante visita do então presidente da Câmara de vereadores de Uberaba, Lourival dos Santos (PC do B), a ela. Estava, em 2006, com a saúde debilitada após 25 dias em coma. Ao ser indagada sobre seu sonho, disse que gostaria de ter sua trajetória publicada em livro. A partir daí, a então diretora de Comunicação do Legislativo, Evacira de Coraspe, idealizou o trabalho desenvolvido pela historiadora Luciana Maluf Vilela e pelo jornalista Molinar. A obra seria publicada no final de 2010, porém a crise financeira pela qual passava a Câmara inviabilizou sua publicação.
 
O livro previsto para ser produzido em quatro meses, se estendeu a três anos em consequência da riqueza de fatos e de dados contados pela protagonista e o acesso dos autores a documentos, entre outros, produzidos, principalmente, por órgãos de segurança e obtidos nos arquivos públicos de Uberaba, Uberlândia (MG), Mineiro, de São Paulo, Nacional, no Rio de Janeiro (RJ) e em Brasília (DF). E as 100 páginas planejadas foram ampliadas a 417. Elas revelam, além da personalidade e os caminhos de Lucilia, a trajetória de anarquistas, de espíritas, de maçons e de comunistas, grupos combatidos, sistematicamente, pelo clero da igreja católica. Enfim, o livro aborda a origem dos movimentos populares e de seus agentes em Uberaba e região, desde o final do século 19 até a década de 1970.

“Lucilia – Rosa Vermelha” é uma publicação, com 250 imagens, da Editora Bertolucci, de Sacramento (MG), com tiragem de duas mil cópias. São 46 capítulos em cerca de 200 páginas, abordando a vida da biografada e fatos ligados a ela. Uma cronologia a partir de 1838, com o nascimento de seu avô materno, Juca Severino, registra passagens envolvendo familiares, amigos, companheiros de lutas e acontecimentos locais, regionais, nacionais e internacionais relacionados à vida de Lucilia. São dedicadas, aproximadamente, 100 páginas a esse capitulo, e outras 100 listam – em forma de verbetes - mais de 500 nomes de comunistas e de simpatizantes residentes em Uberaba, além de outros cerca de 300 moradores em 21 municípios da região.
 
Foram mais de três anos de pesquisas, redação e editoração do livro, que contou com 64 entrevistas realizadas pelos autores e nove feitas por servidores do Arquivo Público de Uberaba. E, ainda, consultados 83 livros, 24 revistas, 150 jornais, 13 dissertações universitárias, seis processos judiciais e assistidos seis documentários.
 
Uma das orelhas do livro é assinada pelo proprietário da Editora Bertolucci e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, Carlos Alberto Cerchi. Avalia ele que a obra “traz uma extraordinária contribuição à pesquisa histórica, lançando luzes para desfazer o mito existente sobre o conservadorismo interiorano”. Na outra orelha, o professor de economia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autor de 10 livros sobre política, Juarez Guimarães, destaca três razões para se ler a publicação. Entre as quais diz que “possivelmente tocados pela grandeza e generosidade da vida que narravam, os autores construíram uma verdadeira história social da esquerda do Triângulo Mineiro. Isto é, a própria memória das ‘pessoas humildes sem história’ – com suas cores, seus retratos, suas aventuras e fracassos, utopias e esperanças”.   
 
Lançamento
 
A  noite de autógrafos será no próximo dia 13, sexta-feira, das 19h às 22h, no Centro Cultural Cecília Palmério, no câmpus-Centro da Uniube, na av. Guilherme Ferreira. A banda Lira do Borá, de Sacramento, interpretará músicas do cantor Jamelão, o preferido de Lucilia, e o hino do USC. O violoncelista Carlos Pérez e o ator Milo Sabino apresentarão o hino “A Internacional”, de movimentos socialistas, que a homenageada cantava com emoção. O documentário “Lucilia: 90 Anos de Memória”, produzido por então estudantes de jornalismo em 2002, entre eles a jornalista Tereza Ávila, será exibido durante o evento.

 

Acesse

Acesse o blog Lucilia Rosa - Vermelha
www.luciliarosavermelha.blogspot.com

Assista ao documentário "Lucilia: 90 Anos de Memória"
www.youtube.com/watch?v=_cgl3pMJpmA
 

 
 
 

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